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Capela em Bataan do artista suíço Not Vital desafia limites entre arte e arquitetura

07:00 - 13 Março, 2018

 

por Romullo Baratto

Arte, de modo geral, é produzida para ser vista ou experienciada por um outro, um interlocutor, que, por sua vez, estabelece relações variadas com a obra. Esse, entretanto, parece não ser o caso da Capela em Bataan, construída pelo artista suíço Not Vital nas Filipinas.

Castigada por ventos constantes, a obra eleva-se sobre uma colina na zona rural de Bagac, cidade de pouco menos de 30 mil habitantes localizada a cerca de 50 quilômetros a oeste de Manilla. A localização remota da instalação dificulta o acesso e faz do percurso uma empreitada que assume ares de peregrinação – parte de sua graça reside, justamente, em sua inacessibilidade.

Construída sob mecenato da fundação artística sem fins lucrativos Bellas Artes Projects, criada por Jam Acuzar em 2013 e dirigida a partir do resort Las Casas Filipinas de Acuzar, em Bagac, a Capela em Bataan não é, apesar do nome, uma obra dedicada ao cristianismo. Embora abrigue em seu interior a escultura em porcelana intitulada The Last Supper (A Última Ceia) – reproduzida por Vital a partir de uma pintura homônima que concluiu em 2015 – a presença de uma escultura dedicada a Bulol, deusa filipina do arroz, entalhada pela tribo de Ifugao e afixada em uma das paredes internas da capela, destitui a instalação de qualquer significado cristão.

Vital considera o projeto em Bataan a mais recente de uma série de obras surrealistas construídas em locais remotos do planeta, da qual fazem parte também trabalhos em Tschlin, na Suíça, e Agadez, na Nigéria. De caráter evidentemente arquitetônico, a Capela nas Filipinas é uma dessas obras de arte produzidas no contemporâneo que se localizam não dentro de um campo disciplinar preciso, mas em uma espécie de limbo ou borrão entre os campos da arte e arquitetura.

“É arte? É escultura? É arquitetura? Não sei. Não sou arquiteto, nunca fiz faculdade de arquitetura. Por essa razão sou tão livre para fazer isso”, comenta o artista em resposta à tentativa de categorizar seu trabalho.

É tentador colocar esta e outras obras de Vital no mesmo grupo de edifícios do qual fazem parte, por exemplo, a Capela San Bernardo de Nicolás Campodonico (2015, La Playosa, Argentina) e a Capela de Campo Bruder Klaus de Peter Zumthor (2007, Mechernich, Alemanha). A obra em Bataan compartilha com o trabalho de Zumthor não apenas o primeiro nome, mas a materialidade, o isolamento físico, o realce na paisagem, seus acessos de reduzidas dimensões e, em última instância, a atmosfera mística criada pelo amálgama desses fatores.

Tal qual o projeto do arquiteto suíço, o edifício de Vital foi construído em concreto aparente e apresenta uma geometria não arquetípica, porém forte, que lhe garante algum destaque contra o pano de fundo natural. Visível a quilômetros de distância, seu volume é composto pela adição de um prisma trapezoidal e outro escalonado; no alto do primeiro, uma fenda longitudinal traz ao interior um dramático feixe de luz solar, enquanto que na face oposta, uma porta – grande apenas o suficiente para caber uma pessoa por vez – é a única entrada da Capela.

O interior deveria, segundo projeto, ser suavizado com uma camada de argamassa, mas a impressão deixada no material bruto pelas fôrmas de troncos de coqueiro convenceu Vital a desistir da ideia.[3] O interior da Capela poderia ser comparado a outros espaços ditos brutalistas, caso houvesse consenso em chamar de arquitetura o trabalho de Vital.

Ao passar pela porta, o espectador vê, na parede oposta, um grande mural de cerâmica branco de 12 x 5m com treze manchas negras - The Last Supper. Entre a obra e quem a contempla, uma rasa camada de água que se inicia a 20 centímetros da porta rende homenagem aos arrozais das Filipinas; à direita, Bulol pende a poucos palmos acima do nível da água, enquanto que a parede esquerda permanece intocada.

A experiência é completa com as mudanças de luz possibilitadas pelo rasgo no concreto sobre The Last Supper. Dependendo da hora do dia e das condições meteorológicas, a luminosidade passa de um suave difuso a um contraste cortante, alterando sensivelmente a percepção do espaço interno e dos elementos que o constituem.

Embora não seja arquiteto de formação, é perceptível nessa obra a intenção de Vital de criar uma atmosfera através do desenho do espaço. Tudo na Capela de Bataan – do material à volumetria, da localização à textura – é evidência de que há, na obra de arte, projeto de arquitetura.

Definir com precisão o que é esta obra pode não ser tão fácil, portanto. Arte? Escultura? Arquitetura? Talvez todas? O próprio artista se mostra relutante em encaixá-la numa categoria específica e, a bem dizer a verdade, isso tem pouca importância. Talvez a questão mais relevante seja como um campo disciplinar pode se beneficiar e enriquecer com obras desse tipo, que se inserem em um território indefinido entrecampos.

Nesse sentido, o que a arquitetura pode aprender com Capela em Bataan de Not Vital e outros trabalhos que lidam com percepção, sensibilidade, tato, crenças e, em última análise, uma dose de misticismo?

Fonte: archdaily.com.br